7 de mai. de 2011

AS VIDAS DO LENHADOR


AS VIDAS DO LENHADOR

TIA NEIVA

         Salve Deus, meus filhos!

         Este é um exemplo vivo do que tanto precisam e que me serviu – e vem servindo – a vida inteira. Condicionados, nós nos esquecemos dos nossos relacionamentos eternos com Deus...
         Sim, porque ao Homem condicionado muito pouco podemos fazer na Doutrina. É tão grande a sua indiferença às coisas deste Universo que, então, todo o sistema espiritual, principalmente se ele desfrutar de saúde e cultura, vive e sofre para contestar o Espírito da Verdade. Ele enche seu ambiente com seus maus pensamentos, tornando mais triste este mundo.
         Esta espécie de Homem vamos encontrar no LENHADOR. Junto a ele encontraremos os que se julgam em liberdade. Veremos, também, que os mesmos não passam de cativos da ignorância e da desventura: são os ENCOURAÇADOS dos poderes da Terra. E, assim, vamos prosseguir nossa história.
         O dia começava a raiar na Terra quando me encontrei na Mansão dos Encouraçados. Vi gente que entrava e saía, como se fosse uma rodoviária. Nisso, passou alguém que me chamou a atenção: o Lenhador – um homem de aspecto cansado. Ouvi quando Amanto disse bem alto:
         - Este homem tem um lindo exemplo a contar. Sua história alcança muitos séculos.
         Ouvindo, como eu, a narração de Amanto, ele se virou e, batendo a mão em meu ombro, foi me arrastando dali. Meio surpresa, o acompanhei, e ele começou sua narrativa:

         - Veja, minha irmã, o perigo das manias entusiastas: elas são contagiosas e ninguém se inclina, impunemente, à beira do abismo da demência. Aqui está uma coisa        horrível que vou contar.

         Então, meio desfigurado, começou a levantar a pedra de seu sepulcro, dizendo:

         Antes, vamos agradecer a Deus a força e a maneira como aceitamos os desígnios de nossa evolução, na lei imutável do carma. Sim, a Lei de Deus nos faculta que tenhamos cultura  nos recursos de nossa inteligência mas, esperando, fica a nos proteger em nossas dificuldades pelo atraso de saber e não fazer. Com é fácil de anotar, na individualidade, o que criamos na Terra pela ânsia de fazer sem saber! Às vezes, nos adiantamos em uma doutrina e não sabemos expressar o nosso amor. Minha querida Tia Neiva! Tudo começou assim: eu estava na Terra e, em uma linda manhã de sol, saí para o campo, para ali receber seus raios, pois precisava me aquecer. Porém, a Natureza mais uma vez me pregou uma peça. O tempo mudou e, em vez do sol, veio um terrível temporal que me obrigou a sair correndo de volta para casa. Ó, meu Deus! Como sofro ao lembrar, mesmo agora, depois de longos quatro séculos! As árvores dobravam suas copas até o chão. Mal cheguei ao portão, ouvi alguém que gemia, pedindo para entrar. Era uma jovem que, mal enxergando a luz com seus negros olhos, queria, também, atravessar o portão. Ouvi, ao longe, os gritos da condessa, minha esposa, e, num gesto de covardia, não deixei entrar aquela jovem, porque sabia que não haveria explicações que me fizessem ser compreendido por Nice, minha querida esposa. Por isso, não disse a ela nada sobre a jovem que deixara abandonada fora do castelo. O temporal prosseguiu como um furacão, causando muitas destruições naquelas imediações. No outro dia, sucedeu o que sempre sucede aos covardes e egoístas: os criados, aflitos, comentavam o desespero de um triste pai que encontrara Inara, sua filha, morta nas cercanias do meu castelo. A jovem era de uma família de fidalgos, que morava ali perto da minha província, e havia morrido de frio e medo... É difícil descrever a dor que senti diante de um quadro tão culposo para mim. Não tinha coragem de contar a ninguém a minha imensa covardia. Dois anos depois, Nice me deu uma linda filha, que ia crescendo e me fazia lembrar, ainda mais, aquele olhar suplicante da pequena fidalga. Tudo se passou, chegando eu a fazer um bom relacionamento com a família de Inara. Por fim, Nice morreu após dar à luz uma outra linda menina. Sem saber como cuidar das meninas, ainda pequenas, entreguei-as aos cuidados de uma tia, irmã de Nice, que morava longe dali. Passei meus dias sozinho naquele imenso castelo, procurando me intelectualizar ao máximo, já que nada tinha para fazer. Os criados tinham uma espécie de compaixão por me verem tão só. Um certo dia, estava a me martirizar com dores, quando ouvi a porta do quarto ranger, como se fosse abrir, e me apareceu a figurinha de Nice que, em um relance, me disse:

- Venha!... Venha!... Chegou o seu tempo!

Assustado, quis segurá-la, mas ela já desaparecia. Gritei por seu nome tão alto que os criados vieram ao meu encontro. Eu estava ardendo em febre. Via os criados correndo, porém não sentia interesse em perguntar nada. Fui ficando leve e desaparecendo daquele local, sentindo que uma corrente muito forte tomava conta de mim. Sem visão, absolutamente sem nada, e sem esperanças. Minha Tia Neiva, só Deus sabe as dificuldades que o sentido emocional provoca em nossa alma! Sim, porque a matéria sem sintonia com a alma fica em desajuste, fica dispersa, e passa a ser uma energia esparsa, sem contato com o etérico. Pensei: “Um homem... Simples homem... É a hora de minha morte!”. Ouvia o movimento dos criados, do médico e, por fim, passei a sentir como se levitasse num crepúsculo, em um bale de luzes que acendiam e apagavam. Vi meu pai e minha mãe se despedindo de mim e, já em minhas agonias, pensava: “Como? Se eles já morreram, estou eu também morrendo? Ó, meus paizinhos queridos, logo estaremos juntos!” Nisso, chegou minha Nice e me foi levando pela mão. Senti uma dor atroz no coração. Então, ouvia a voz de Bruno, meu mordomo:

- Pobre conde! Fez sua passagem. Como sofreu o meu querido patrão!

Ouvi, também, o choro dos criados. Que fenômeno, ó, meu Deus! Sentia que toda a matéria, até então organizada, começava a apresentar uma modalidade de energia esparsa, que ia me definindo em outra situação, em outra condição de homem. Porém, a mente era lúcida, cada vez mais lúcida. Minha cabeça rodava, rodava, e, finalmente, entrei num novo estágio. Formou-se outra atmosfera. Um terrível zumbido, como se meus ouvidos fossem arrebentar, e a transformação inconcebível se fez em uma dor muito intensa, porém muito rápida. Foi então que me senti do outro lado da vida. Perguntei: “Dor! Por que dor? Se eu estava morto e já havia feito a passagem...” Sim, Tia Neiva, é o que me pareceu. Porém, o deslocamento do plexo físico, o impacto da energia compactada à corrente eteromagnética produz uma dor física tão grande que não tem qualificativos. Inclusive, fica no nosso subconsciente a ponto de, muitas vezes, por maior que seja o desespero, temos medo de morrer. Esta a razão deste tamanho medo da morte. Dali, parti para um novo e desconhecido mundo. Só, mais uma vez, só... Ouvia, agora, vozes no meu novo mundo, como se fossem me instruir para mais outra experiência. “Seja o que Deus quiser!” pensava sempre comigo e, assim, fui me libertando dos meus defeitos. No terceiro dia, levantei a vista e vi, ao longe, um lindo castelo. Parti para lá, como se fosse minha única salvação, e qual não foi minha dor!... Ao chegar ao portão, ouvi os gritos de Nice, dizendo:

- Venha! Venha, meu amor, venha me salvar!...

Comecei a andar no interior do castelo, enquanto seus gritos iam se distanciando. Ó meu Deus! Já estava cansado, quando ouvi uma voz que me alertou:

- Conde Lepant! Estás seguindo tua própria consciência! Nice já passou por aqui fazem dez anos...

- Oh, onde estou? – gritei.

- Estás sob o jugo de tua consciência, já disse.

- Consciência? Não me lembro de nada! Diga-me onde estou! - então, clamei.

- Em Pedra Branca, no exílio dos mortos da Terra. Daqui partirás, partirás para uma nova vida. Teus pensamentos de levarão a mundos que a tua percepção ainda não atingiu. Procura estar atento ao comando universal, porque estás completando o teu retiro e, dentro em pouco, partirás para a Terra.

- Como? Venho de lá, e não deixei ninguém a me esperar.

- Sim, deixastes os teus criados e terás, portando, de voltar à Terra!

Não sei por quanto tempo ouvi a mesma voz. A cada momento me sentia mais lúcido. O fato é que, não sei porquê, tenho saudade de uma certa harmonia que penetrava em meu nariz, em minha boca e nos meus poros. Sim, não sei mais por quanto tempo. Lembro-me, somente, de ter ouvido, como se fosse uma melodia, o Guia Universal dizer:

- Passageiros da Terra, fiquem alertas para voltar. Já completaram o seu retiro!

Comecei a ter medo, o que até então não tivera. Para onde iria? Enquanto pensava, fui atraído por um impulso, vindo a descortinar uma grande rodoviária, onde pessoas teleguiadas tomavam os seus rumos. Eu também segui o meu, sem qualquer percepção do meu destino. E qual não foi minha surpresa: uma compressão muito grande e, em fração de segundos, estava em frente ao meu castelo. Quem sabe o que estaria acontecendo? Meu Deus! Entrei como se estivesse vivo, porem sem sentir as anormalidades do corpo físico. Agora, tudo era diferente. Eu me sentia leve, como se tivesse um corpo de pluma. O castelo estava cheio de gente, meus parentes, meu procurador e outras pessoas. Como é horrível, Tia Neiva, ver pessoas estranhas violarem os nossos objetos! É realmente terrível... Tentei sentar-me à minha mesa, porém, um grupo que saiu do corredor tomou toda a mesa. Nisso, o meu procurador começou a ler o testamento que eu havia deixado. Deixara uma grande parte para Janete, a governanta, e para Bruno, meu mordomo, meus criados queridos. Quando foi lido o nome de Janete, ouvi seu choro convulsivo e corri para atendê-la, Meu gesto pareceu comovê-la, embora ela não pudesse me ver, e eu – pobre de mim – me debrucei sobre seu corpo e ouvia o meu som, a dizer o que bem precisava... Nisso, ouvi a Voz, que dizia:

- Basta, Lepant! Tua hora está chegada! Vamos, temos muito o que fazer. Uma nova vida!...

Era Germano, o meu Guia espiritual. Saí dali sem saber como terminara meu inventário. Também, não me preocupei. Uma linda chalana me esperava e saí sem pensar em mais nada. Se alguém perguntasse o meu nome, não saberia dizer. Nuvens espessas cobriam o aparelho. Então, um novo mundo se descortinou em mim: RESSURREIÇÃO! “Ressurreição!” – gritei, diante daquele quadro que se apresentava em frente aos meus olhos. Ó, Deus Todo Poderoso! Saí de um mundo e entrei em outro. De repente, comecei a raciocinar: como seria minha vida? Nice, minha Nice, onde deverá estar neste momento, neste mundo tão imenso? Comecei a ter medo, medo do que eu não conhecia... Sim, não sei porquê, mas aquela beleza me dava medo. Oh, que saudade de minha Nice! Por fim o aparelho parou diante de um enorme hospital, onde havia um letreiro: CASA TRANSITÓRIA DE FABIANO. Desembarquei sem ninguém mandar. No interior do hospital encontrei um amigo, Lafaiete, que me falou:

- Oh, Lepant, como vai?

Porque estava ali, não sei.

- Você me dá notícias de Nice, minha esposa?

- Ela passou por aqui há dez anos. – respondeu - Não tenho nenhum roteiro dela.

Nisto, alguém chamou:

- Lepant! Venha para esta sala que a tua família de espera.

Ó, meu Deus! Cheguei e encontrei uma enorme tela, que me assustou. Sentamos – éramos muitos – e começou a grande prova para mim. Germano puxou uma alavanca e tudo começou: eram 10 horas da manhã, na mansão dos Lepant, quando um lindo casal deixava os portões do castelo e as flores se misturavam com as cores do rosado vestido da condessinha, minha Nice e seu irmão, Roberto, um terrível jogador que acabara com a fortuna do conde, meu sogro. Em resumo: Nice, por amor a seu irmão, roubava dinheiro do meu cofre, ou melhor, do nosso cofre, e pagava as contas do irmão, inclusive com sorrisos e insinuações ao lado do terrível cobrador. Comecei a me lembrar de sua rápida enfermidade, dos desencontros e de nossos reajustes. Comecei a ver o seu romantismo, o mundo de onde eu viera. Ó, meu Deus! – pensava – Como? No entanto, eu deixara morrer a pobre Inara de frio e medo, para não melindrá-la. Mergulhado em minha dor, comecei a ouvir a voz do meu Mentor amigo:

- Chega por hoje. Veja como sofrem os que passam na Terra, sem nada fazer. Nunca fostes saber o que acontecia em teus arredores. Bruno e Janete foram teus legítimos pais. Pediram a Deus esta oportunidade de serem teus criados para resgatar uma velha dívida que outrora contraíram contigo.

Ó, meu Deus! Como fui imbecil, pensei eu na força da expressão, lembrando dos olhares carinhosos de Janete e de Bruno. Após pequeno silêncio, Germano continuou:

- Salve Deus! Agora vamos ouvir o Rosário de Salmos, que é o Canto da Energia Imortal. Venha ver quem, realmente, se venera neste recanto de amor e paz. Fizestes, na Terra, aquele rico castelo, sem o suor de teu rosto mas, sim, pelo ouro pesado. Aqui é o jardim que os anos e o tempo não destroem. Fecha os teus olhos e verifique que ainda estás diante de ti mesmo, do teu jugo. Agora, deixa teu fardo nas mãos de quem poderá sustentá-lo.

Nisso, uma jovem mulher apareceu. Era parecidíssima com minha Nice. Senti amá-la, porém algo me dizia – aquele espírito tinha o todo de Nice – enquanto pensava, sem rancor, que fora traído pela minha pobre consciência.

- Deixa o teu fardo, Lepant! Já te disse...

Ó, meu Deus! Onde estaria eu àquelas horas? Minha pequena cabeça não saía do círculo vicioso, sempre com os mesmos pensamentos. Nice me traíra... E eu? Estou na Terra, no espaço, em que plano? Deveria estar... De repente, um forte abalo me fez alertar. Senti medo da solidão e gritei: “Ó, meu Deus!” Germano me perguntou, com carinho:

- O que houve, Lepant? Para estar perto de Deus só nos basta pensar em boas obras. Os nossos pensamentos são as nossas asas.

- Por que este estrondo? – perguntei.

- O silêncio é perigoso quando temos muitas falhas no subconsciente. Aqui também trabalhamos – o que não soubestes fazer com tua riqueza na Terra.

- Sim, o trabalho! – gritei - Não sei fazer nada!

- Saberás quando tua alma também souber se entrelaçar a outras almas.

Nisso, um grito chegou ao recinto onde estávamos. Uma mulher pedia por socorro. Instintivamente, corri para lá. Ó, meu Deus! Fui em socorro de alguém pela primeira vez em minha vida! Era uma mulher que acabava de chegar e não tinha consciência de sua situação. Acalmei-a e senti Germano chegar perto de mim. Falou-me:

- Lepant, somente naquela encarnação fostes tão indiferente. Começa em ti a grande luta. Sejas verdadeiro contigo mesmo. A sinceridade, quando real, persiste e vence. Todos estes movimentos vêm da natureza universal inferior. Dar expressão a um impulso ou movimento não é o suficiente para uma afirmação religiosa ou doutrinária no caminho da evolução. Deixe que a iluminação de abrilhante a alma. O intercâmbio vital não te serve mais. Procura! Não fiques a chorar pelo que não fizestes e, sim, procuras entoar teu canto universal.

Como pode, Tia! Aquele lindo missionário e eu, um pobre sofredor, tão bem coordenados. A cada dia eu mais me entregava ao trabalho, em missão junto àqueles chegantes, e minha mente ia se desenvolvendo. Tia Neiva, esta história é realmente interessante, digna de ser ouvida. Sim, Tia, ainda não terminei e a parte mais interessante vem agora. Salve Deus! Desde que eu estava ali, jamais sentira o que neste dia – ou tempo, como marcamos no espaço – sentira. Era diferente de tudo o que até então sentira. Fiquei à espreita de meu querido Mentor Germano e fui prevenindo minha alma.

- Vamos partir porque não tens mais com que pagar a tua estada!

Ó, meu Deus! Lembrei-me de que estava fraco e minha perturbação tinha razão de ser. Minha alma discorreu e balancei a cabeça, pensando como devem sofrer aqueles que, na Terra, não têm dinheiro para se alimentar. Havia sido prevenido por minha alma. Salve Deus! Germano disse:

- Sim, este é o todo poderoso!

Saímos dali caminhando, caminhando como se estivéssemos na Terra. Caminhamos até que cruzamos com um homem. Germano perguntou-lhe:

- Conheces bem estas imediações?

- Não, estou foragido! - disse ele, apressando-se a distanciar-se de nós.

 Então, Germano comentou que ele vivia, há muito tempo, naquelas redondezas. Senti um pouco de fraqueza e uma dor em meu coração. E aqueles pobrezinhos que viviam nas imediações de meu castelo? Ó, meu Deus! Deixei que morressem de fome e, no entanto, tudo me sobrava! Tentei, mais uma vez, afastar o meu remorso, a minha imensa covardia. Germano me advertiu:

- Prossegue, vamos, prossegue! Não tentes cair no mesmo padrão vibratório. Aos poucos tu irás pagando o que deves.

 Continuamos nossa busca até chegarmos em frente a um enorme albergue. Lá encontramos uma mulher cujas jóias a ornavam da cabeça aos pés. Olhei o meu traje, e Germano observava-me com um leve sorriso nos lábios. A quê poderia atribuir o comportamento daquela senhora? Louca, simplesmente louca, pensei. Atônito, disse:

- Ela não trabalha, então como pode viver? Se não me tivessem tirado da Mansão de Fabiano, eu estaria sofrendo terrível perturbação pela falta de BÔNUS para o meu alimento. E ela, como os ganha?

- Foi ela que trouxe tudo da Terra.

- Como, Germano, trouxe da Terra? Como? Fico louco! Explica-me melhor.

Porém, antes que Germano dissesse alguma coisa, apareceram dezenas de escravas, querendo servi-la. Vinham muitas, porém ela gritou:

- Esperem! Um pouco de cada vez.

E elas a obedeciam. Foi então que surgiu um casal muito lindo e começou a ser feita uma doutrina. Não sei por quanto tempo demorou aquela solenidade. O fato é que todos ali tomaram um novo rumo, sob as bênçãos de Deus. A mulher das jóias ficou sozinha. Germano observou:

- Viste, Lepant? Não podemos julgar os outros pelas aparências.

Desta vez, mais do que nunca, os acontecimentos me deixaram confuso. Sentindo fome, muita fome, olhei para cima e vi algo que me deslumbrou: uma nave muito grande se deslocava no espaço. Para onde iria?

- Lepant, tenhas cuidado! Uma coisa de cada vez. Por que não procuras saber o destino das escravas? - falou Germano.

- Ó, Jesus! Como sou distraído. Desculpa-me, irmão. – respondi.

- Sim, Lepant, enquanto estamos em harmonia não podemos expandir a nossa força. Ouça!

 Lá no final do albergue tocavam uma sineta. Germano disse:

- Estão chamando para uma reunião. Vamos para termos um bom lugar.

Fiquei pensando para onde iria e o quê me esperava... A senhora das jóias não ia participar, pois permaneceu em seu lugar. Linda mulher! Agora podia vê-la muito bem e queria saber o que se passava. Ia perguntar, quando duas chalanas se encontraram e um enorme estrondo nos tirou da sintonia, nos removendo para outro plano. Comecei a raciocinar bem melhor me a me preocupar com as coisas que vira e ouvira. Por exemplo, aquela mulher! Sua beleza, suas maneiras, como a encontrara... Tudo tão estranho! Perguntei a Germano:

- Para onde vamos? Estamos em outra estrada.

- Sim, vamos para outro albergue.

Desta vez, enquanto caminhávamos, pensava em como era perfeito este Universo. Chegamos a um rico albergue, onde uma grande família ria de seus desencontros na Terra. Sem ser notado, fiquei ouvindo. Tive inveja de um certo comentário de uma linda jovem que estava ali e havia sido esposa de um cego, cujo destino o levara à mendicância. Logo, entrou o ex-cego, e ambos se beijaram, abraçados. Meu Deus! Tanta simplicidade! Nisso, entrou a linda mulher das jóias, com muita familiaridade, sendo saudada por todos:

- Ó, querida Sabah! Entre e cante para nós.

A jovem cantou e dançou lindas canções. Senti como se todo o Universo a estivesse ouvindo. Depois, ela levou a mão ao peito e suspirou, dizendo:

- Ó, meu Deus! Por que me faltou amor no momento mais preciso de toda a minha vida?

Dizendo estas palavras, soluçou. Fiquei vibrando para saber mais alguma coisa sobre aquela linda mulher, mas entrou um estranho nos chamando para fora do albergue. Nisto, reconheci um abade que passou e, num relance, compreendi que todos que ali estavam haviam saído à procura dele. Então, fiquei só com Germano e vi a linda mulher, que estava sentada em uma pequena e triste pracinha. Cheguei-me para junto dela, sentei-me e comecei a perguntar sobre a sua procedência. Ela começou a me contar sua história:

- Vivia numa pequena cidade do interior da Índia. Meu pai e minha mãe eram pescadores de pérolas e formaram um grande patrimônio, tão grande que me fizeram rainha. Tornei-me poderosa, mas cedo meus pais morreram. Então, fiquei endurecida. Não amava ninguém, dificilmente sorria. Até que, um dia, encontrei o olhar do jovem Janarã, meu escravo. Ah, meu amigo, quanta paixão. Nunca me perdoarei por ter desperdiçado a minha oportunidade! Lembro-me, agora, com saudade, tenho ânsias... Que horror! Foi triste, realmente. Eu falhei. Perdi dons preciosos, perdi o afeto. Só me resta, contudo, recuperar o tempo perdido nestas condições deprimentes. Encho-me de jóias preciosas e fico à mercê dos que me julgam.

Enquanto Sabah falava, ocorreu-me um pensamento: tão linda que eu não posso acreditar em sua piedade. Não acredito, também, que alguém possa desposá-la. Porém, como estávamos no mesmo nível de evolução, ela não sabia o que eu pensava e nem eu, tampouco, sabia o que ela pensava. Ela sorriu, mostrando a sua beleza, e eu ainda fiquei pensando mil coisas quando um forte estrondo nos fez tremer. Gritei:

- Ó, meu Deus! Não me acostumo, não me acostumarei nunca com esses estrondos!...

Ela deu uma gargalhada, como se fosse um canto, e despedindo-se, me disse:

- Hoje me libertarei daqui. Deus, o bom Deus, te libertará também, um dia!

Foi se elevando, como um lindo pássaro, naquele crepúsculo, que é como nos parecia aquele plano de nossa evolução. Novamente só, continuei sentado naquela pracinha, não sei por quanto tempo. De vez em quando aparecia alguém que se sentava, contava suas dores, suas paixões, e prosseguia. Eu, porém, era, além de medroso, um grande preguiçoso. Foi preciso que um forte estrondo me atirasse em outro lugar – um bonito albergue. Compreendi que os estrondos nos tiravam a sintonia e nos levavam a uma situação primária. Sim, primária! Na minha força de expressão, o fato é que a nossa mente entra em choque e um processo de nosso próprio mecanismo expulsa as ficções, nos dando outras oportunidades de novos raciocínios. Sempre a mesma coisa: alguém se lastimando pelo que deixou de fazer. Estava observando alguns centuriões que se movimentavam na escuridão, e tive inveja. Perguntei:

- O que poderia eu fazer para ingressar nessa comitiva algum dia?

- Voltar à Terra. - alguém disse.

Admirei-me, sentindo nova esperança. Poderia apagar a imagem que tanto me torturava. Não podia ficar ali parado. Resolvi caminhar, porém sempre com medo de me afastar muito. À medida que caminhava a iluminação ia se ofuscando, como se tivesse chegada a hora do crepúsculo. Comecei a ouvir sons – risadas, gente alegre, pensei. Realmente, era um grupo alegre que estava em missão. Não preciso explicar que me familiarizei com toda aquela gente. Não sei por quanto tempo vivi ali, meio despercebido do resto do grupo. Um certo senhor de voz calma se levantou em um degrau mais alto daquele luxuoso pavilhão onde estávamos e disse em voz de quem vai discursar:

- Meus caros contemporâneos! Chegou o nosso grande momento. Voltaremos para a Terra, na grande missão que nos foi confiada. Iremos remover séculos, partiremos para uma nova conquista e, mais uma vez, iremos libertar aqueles espíritos e cumprir nossa jornada, novamente, neste primitivo roteiro.

E apontando com uma espécie de lápis, mostrava numa grande tela a Terra em seus diversos ângulos. De repente, surgiu na tela uma embarcação sobre o oceano tempestuoso, parecendo uma pequena folha prestes a sucumbir nas águas. Em seu discurso, ele dizia o nome dos personagens que futuramente estariam em sua direção. Dizia, também, que iriam reencarnar em Portugal.

- Salve, salve, Lamúrcio! Salve, salve, Lamúrcio! - aclamava o grupo.

Veio em minha mente a pergunta: de onde teria vindo este grupo, estas personagens tão unidas? Sei que eu viera da França. Como se tivesse ouvido minha pergunta, o orador continuou:

- Ó, meu Deus! Parece que foi hoje quando descemos as cordilheiras e chegamos às planícies macedônicas, descobrindo Esparta. Foi horrível! Fomos massacrados pelos Dórios. Como foi dura nossa missão naquela península peloponense! Os Gregos nutriam verdadeiro ódio provocado pelos Dórios, a ponto de impregnar aquele ódio por toda a península, ou melhor, em toda aquela gente. Os Gregos e os Egípcios acreditavam na vida além da vida física, os segredos da Morte nas revelações sucessivas e nas comunicações com os outros mundos. Esse ensino provocava uma grande revolução da alma, provocava impressões tão profundas, infundindo uma paz, uma serenidade e uma força moral incomparável. Em resumo, a DOUTRINA SECRETA, Mãe das Religiões, na maneira de cada tribo, foi infundida a ponto de nunca morrer!

- E por que nunca morreu? – perguntou alguém.

- É impossível que a Doutrina Mãe – como chamamos na Terra – morra. Ela é uma revelação, é algo biológico do predestinado, de sua missão, que age, segundo sabemos, pela indução recíproca, altamente moderada, sobre o centro principal de seu eixo. Quando as células interiores entram em excitação por excesso de estimulações na linha do Interoceptível, ameaçando o sensitivo do homem, se esgota pela seqüência moderadora ou regência moderada, impondo o freio e o controle dinâmico-sensorial, que exige sua ação. São as células coronárias que decidem os três reinos. São estas células que governam o cérebro ou pineal e as células inferiores. Entram em período de estafa pela decomposição do sistema dualista nervoso ou de outra parte do núcleo vegetativo, os quais dão origem às fibras. Não há como separar funcionalmente os dois setores nervosos, porque ambos são vinculados ao cérebro, sujeitos às suas flutuações. São rigidamente controlados pelo sistema da flutuante alma, que estabelece um equilíbrio cerebral pela indução recíproca dos três reinos de sua natureza. Essa atividade desordenada na concepção do sistema nervoso é desvantajosa ao homem na Terra. Meus irmãos que pensam voltar à Terra! O homem físico sofre seriamente por sua falta de amor. As suas propriedades são imensas, porém sempre de acordo com o seu padrão vibratório.

 - Ó meu Deus! – pensei – Quanta coisa além do infinito! Meu Deus, sou um estrangeiro que jamais voltará à sua pátria, ao seu primeiro estágio...

- Desculpe, Lepant. – disse alguém – O teu suspiro vem de longe. Pensa e tenha esperanças. Não ouves uma só palavra, não vês bem o meu rosto, a minha face. Passou a hora dos sonhos. Este é um mundo em que não se oculta nada. Ainda és um hóspede silencioso.

Passaram as horas do sonho!...

- Oh! – gritei como se fosse um gemido – Estou preso pelas garras do meu castelo, sinto-me amarrado a seus portões. Não vejo à minha frente a luz da manhã! Não posso expulsar de meus pensamentos aquela jovenzinha, meu horrendo crime! Ele vem a vaguear à vontade...

- Venha, meu hóspede silencioso. – disse a voz – Eu me chamo Lamúrcio e já estou com a missão em Deus de voltar à Terra. Olhe, Lepant, a alma do mundo é uma força que tende sempre ao equilíbrio. É preciso que a vontade triunfe sobre ela ou ela triunfe sobre a vontade. Toda vida incompleta é atormentadora. É preciso conhecer nesta visão o homem acordado deste plano, asfixiado pelas emanações da Terra. Saia deste falso sonambulismo que o seu inconseqüente estado de espírito provocou. O seu único reflexo vivo é a ciência do mundo invisível, que continua a ser um dos mais importantes ensinamentos reservados. Sim, a ciência invisível entre os homens e as almas desencarnadas pelas propriedades destes fluidos, pela ação que a vontade exerce sobre eles, onde explicamos os fenômenos da sugestão, da transmissão de pensamento, segundo o passado e o passado no futuro. É preciso saber que a vontade do homem modifica, também, o seu comportamento e a sua razão nos seus amores, nos seus impulsos e nos seus desejos. Aqui tens uma natureza e na Terra tivestes outra, bem mais ardente, aquela que te faz chorar hoje mas poderá te fazer rir amanhã. A própria natureza do homem ensina, por indução, que existe ordem. O ser é substância e vida. A vida se manifesta pelo movimento e o movimento se perpetua pelo equilíbrio. Assim, o equilíbrio é, pois, a Lei Imortal. A consciência é o sentimento e a justiça. Chega, Lepant... Tu já te condenastes – e não fizestes nada!

- Salve Deus! – gritei – Quero fazer alguma coisa! Eu quero fazer alguma coisa!...

- Sim! – disse o nosso comandante – Breve teremos uma oportunidade para reencarnar.

- Eu quero essa oportunidade! – gritei, eufórico.

- Sim, - disse alguém – espero que Deus te conceda esta oportunidade.

Como sempre, um grande estrondo nos tirou da sintonia e, de repente, estávamos em outro local. Lembrei-me de Germano – nossos pensamentos são como as nossas asas – e ali estava ele, parecendo estar à minha espera. Falou-me:

- Como? Então já pensas em partir para a Terra?

- Sim, penso. E mais: vou com um grupo que, segundo me informaram, parte para uma nova conquista.

- É um compromisso muito grande! Recebestes alguma coisa?

- Não! Estou com muita fome. Onde vamos?

- Para o Albergue de Nanã. Lá não sentirás mais fome.

- Por quê?

- Porque lá existe trabalho.

- Sim, porém na Terra eu comia e não trabalhava!...

- Lepant! Esta missão é perigosa. Hoje, a tua mente está muito pesada. Porém, tão logo te acertes, tudo estará bem. Vais Ter prazer em viver aqui, fazendo a caridade. Saibas que as imperfeições da vida não se corrigem através da meditação, porque a alma não entra em atividade normal aqui, neste terceiro plano onde nos encontramos. Salve Deus! Vamos continuar a nossa jornada.

De repente, chegamos a um lindo albergue. Bateram palmas com nossa chegada. Foi emocionante! Muitas pessoas comentavam assuntos diversos e eu, sem sentir, comecei a participar, como se estivesse há muito tempo naquele ambiente. As horas alegres e as horas tristes terminavam de uma maneira que me deixava realizado. Voltei para o albergue de Matosinhos, onde já estava familiarizado. Estava sentado em uma pracinha quando ouvi terrível algazarra e, em seguida, um estrondo. Só restou Germano, que veio falar comigo:

- Salve Deus, Lepant! Vim me despedir de ti. Vou para a Terra.

- Para a Terra? – perguntei Como?

- Desde que a Terra libertou o Homem-Pássaro nunca mais evoluiu. O Homem-Pássaro veio logo depois dos Equitumans. Ele vieram na força daquela era. Dizem que se transportavam de um lado a outro e foram estes homens que se afastaram de Deus, deixando a vibração da Terra na pior sintonia. Ah! Se não fossem aqueles homens, a Terra estaria melhor...

- Não estou entendendo muito bem esta sua narração. Por acaso não estás com algum cobrador a te vibrar? Sim, se vais para a Terra...

- Não, Lepant, não! Vou para a Terra, porém as vibrações não estão me atingindo. Estou falando dos Homens-Pássaros porque eu fui um deles – e tu também! Por que fostes tão egoísta quanto estivestes por lá?

- Eu? Não me lembro de nada, de nada mesmo!...

- Vamos para a Terra. Aproveita, pois tempos vão chegar em que tais oportunidades irão ficar muito escassas.

- Não tenho coragem! Não, enquanto não me esquecer da jovem Inara.

- Só esquecemos quando pagamos nossos débitos.

- Ó, meu Deus! Sou, realmente, um preguiçoso. Fico de um lado para outro, sem me preocupar. Depois, como irei escapar? – pensei.

Com esses pensamentos, nos despedimos.

Era 30 de outubro, e eu me levantei com mil pensamentos quando ouvi os aplausos de todo o povo reunido, alegre, sem saber o que me vinha na alma. Mais atônita, mais desequilibrada, me mantive sem demonstrar o que sabia do futuro daquela gente.

- F I M -



(OBS.: Pelo título, pensamos que Tia Neiva iria descrever várias etapas da trajetória do espírito do Lenhador. Todavia, conhecemos apenas este episódio, que se refere a um conde, e não tivemos a oportunidade de identificar ou conhecer outros capítulos desta história.  T.R.T. TUMARÃ)

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