Brasília mística é palco para o desenvolvimento do espiritualismo
Escrito por Mariana VeilMaryna Lacerda |
Durante sua peregrinação por templos católicos, kardecista e também por médicos psiquiatras, ela encontrou uma senhora, a Mãe Neném, grande conhecedora do espiritismo que a ajudou a compreender mais sua mediunidade. Juntas, fundaram em Alexânia, Goiás, a União Espiritualista Seta Branca, a UESB.
A Doutrina foi trazida através da projeção na clarividente do espírito de Francisco de Assis, que em outras vivências também se mostrava como o “Pai Seta Branca”. Este é o representante máximo desta doutrina.
O número de adeptos à doutrina crescia constantemente. Tia Neiva recebeu orientações espirituais para que transferisse a UESB para uma área rural. Esta é a região onde o Vale do Amanhecer está localizado hoje.
Questões Místicas e Estruturais
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Pai Seta Branca: entidade máxima da Doutrina e o guia espiritual de Tia Neiva, a fundadora do Vale |
O Vale do Amanhecer fica em uma área denominada Serra do Ouro, localizada na rodovia que liga Brasília a Anápolis. Fica a seis quilômetros da região administrativa Planaltina-DF. É o templo matriz, chamado Templo Mãe. Somente nesta região que ocorre o trabalho ritualístico da Estrela Candente, um dos mais importantes da Doutrina. Atualmente, são 623 templos pelo Brasil e pelo mundo.
A política de sustento da região não se baseia em cobrar pelos atendimentos espirituais oferecidos. Eles cuidam do Vale através de doações, de almoços beneficentes e pela presença de lanchonetes, lojas de lembranças e artigos do Vale para os visitantes.
A região do Vale sentiu impactos fortes do crescimento populacional no DF. Os últimos dados oficiais são de 2005 e estimavam 22 mil pessoas morando na região. Os dados são da antiga Subadministração Regional do Vale do Amanhecer, que foi retirada da região por um decreto do ex-governador, José Roberto Arruda, “sem muita explicação do porque”, segundo moradores. Hoje em dia, estima-se mais de 25 mil moradores.
A infra-estrutura urbana do Vale conta com água encanada, rede de águas pluviais, linhas de ônibus regulares, etc. Apesar de grandes melhorias com o passar do anos, ainda é pouco para suprir as necessidades da região. Há um problema grave: os moradores da região não possuem escritura de suas casas. Além disso, a população sentem a necessidade de um reforço no policiamento, falta um Centro Educacional e há carências no setor de saúde.
Rituais e símbolos
A quantidade de símbolos e ritos fazem parte da rotina do Vale. A mística da região está totalmente ligada a seres espirituais. Pessoas do Brasil inteiro vem para participar de rituais na matriz.
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Na Entrada do Templo Mãe, os símbolos do Sol e da Lua são destaques |
O foco do Vale do Amanhecer é a ajuda ao próximo, e não a ajuda própria. “A intenção é se doar para os outros, você acaba ganhando com isso”. Os trabalhos ritualísticos são voltados para as energias do mundo. Natasha cita um exemplo recente. “Quando surgiu a nova bactéria, fizemos uma estrela especial. Uma entidade lá no templo pediu para que fizéssemos isso, pois estava uma energia muito pesada em função da nova doença”.
As pessoas que participam da Doutrina tem apenas três restrições. Não pode consumir bebidas alcoólicas, drogas e não pode cruzar corrente. Cruzar corrente significa participar efetivamente de outros rituais de outras religiões. São apenas recomendações, pois não há controle sobre isso. As pessoas tem livre arbítrio, mas são recomendações importantes pois o médium está em constante preparação do seu plexo, que é a região abdominal superior na qual estão concentradas as energias, para ajudar o próximo. A mistura de energias ao participar de outras religiões e utilização de álcool e drogas pode desviar do caminho.
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Cerimônia de formação da Estrela Candente: o corpo mediúnico celebra três consagrações por dia |
Como a simbologia é muito presente a Doutrina, o Sol e a Lua são símbolos que aparecem em vários lugares do Vale. Eles representam as mediunidades: o Apará, Mestres Lua ou Ninfas Lua, e o Doutrinador, Mestre Sol ou Ninfas Sol. Se alguém quiser participar da Doutrina, deve passar pelo primeiro passo do desenvolvimento doutrinário, que é o teste mediúnico. As mediunidades são intrínsecas, é algo que já vem com a pessoa.
O Apará é um médium de incorporação, ele tem a capacidade de receber as entidades. Tem vários tipos de incorporação. Depois de uma maior compreensão da Doutrina, Tia Neiva adquiriu um maior domínio da técnica e a intercomunicação com os seres espirituais foi feita por meio de um “transporte” semi-consciente. A Doutrina defende as técnicas de incorporação semi-conscientes, ou seja, recebem somente a projeção de um espírito para poder dar uma mensagem ou algo assim. A projeção é para proteger o médium, para que tudo esteja sob controle.
Os Doutrinadores são médiuns que dão aulas de desenvolvimento dos médiuns e os ajudam a exercer o comando nos trabalhos espirituais. Durante os trabalhos de incorporação, o controle também é feito pelo Doutrinador, que fica ao lado do apará para que não ocorra interferências de espíritos com más intenções. Um dos fatores que influencia a grande importância mística do Templo Mãe é o único local que tem a Estrela Candente.
Os rituais da Estrela Candente são chamados de Escaladas. As pessoas que desejam participar tem que se dispor o dia inteiro para os trabalhos da Estrela. São 3 consagrações ao longo do dia (12h20, 14h45 e 18h30). Os horários de início dos trabalhos são muito importantes, pois “são os horários que a energia está mais forte”. São ritos que captam energias para um trabalho desobsessivo, ou seja, para ajudar espíritos que não tiveram aceitação do desencarne a seguir em frente. “Eles passam por aqui e o doutrinador tenta mostrar para eles coisas boas, um caminho de amor, falar uma palavra de amor, queàs vezes é só o que está precisando para eles seguirem o caminho”, fala Milzara.
Maryna Lacerda |
Vale do Amanhecer seria exatamente o local em que Dom Bosco previu a "terra em que jorraria leite e mel" |
No dia 27 de novembro de 2010, foi o lançamento do livro “Vale do Amanhecer – Inventário Nacional de Referências Culturais. Lançado pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, do Ministério da Cultura) e com ajuda de uma equipe de pesquisadores, incluindo entrevistas com médiuns, para reunir uma grande quantidade de informações.
O livro é o primeiro passo para se obter o registro de Patrimônio Imaterial Nacional. Isto significa que a comunidade ao redor reconhece as práticas, representações e expressões do Vale como um lugar diferenciado, que é de grande expressividade no aspecto religioso-cultural brasileiro.
O processo de análise dos documentos e a divulgação do resultado se o Vale será ou não incluído como patrimônio pode demorar um pouco. Porém, a contribuição de Tia Neiva e a grande relevância do Vale do Amanhecer já é reconhecida. Segundo Carmen Lúcia Zelaya, filha de Tia Neiva, tudo o que aconteceu teve um propósito. “A mudança para este local foi toda ligada ao plano espiritual. Voltamos a Brasília, pois este local é sagrado. Nada é por acaso, nós sentimos as energias desse local, está tudo ligado a espiritualidade”.